O que são e como surgiram os fundos multimercados

Michael Viriato

A característica flexível de atuação dos hedge funds (fundos multimercados no Brasil) fez com que eles tivessem várias definições ao longo da história. Uma das primeiras definições vem do próprio criador da denominação, Carol J. Loomis, que em 1970 os identificou como:

…aquelas sociedades de investimento únicas que operam quase completamente longe da visão do público.

De maneira mais formal, os autores Ineichen e Silberstein definem um hedge fund como:

… um programa de investimento em que os gestores e parceiros procuram retornos através da exploração de oportunidades de investimento, protegendo o principal de potenciais perdas financeiras.

Valendo-se de uma das características de atuação destes fundos, Stratchman os define como:

Veículo de investimento que opera em ambos os lados comprado e vendido no mercado.

Mais simples e de forma irônica, Anson utiliza a seguinte expressão para explicar o que são os hedge funds:

Qualquer coisa que cobra 2 com 20!

Essa expressão vem do fato de ser comum entre os hedge funds a cobrança de uma taxa de administração de 2% sobre seu patrimônio líquido e uma taxa de performance de 20% sobre o retorno do fundo em excesso a um índice de referência.

Devido à diversidade de estratégias e inovações que a indústria financeira utiliza na gestão dos hedge funds, fica quase impossível estabelecer um padrão que possa definir de forma simples esse veículo de investimento. Seu próprio nome é considerado por alguns como indevido, pois, hedge fund, na tradução livre significaria fundo protegido. De fato, embora alguns gestores adotem dentre os objetivos destes fundos a proteção do capital, esses fundos nem sempre atuam de forma protegida.

No caso brasileiro, os fundos multimercados, não possuem toda a liberdade de seus pares internacionais, pois são mais regulados, no caso pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Portanto, apesar de terem um espectro de estratégias diversificado, podem ser definidos como:

Condomínios de investidores que, por meio de operações nas diversas classes de ativos (renda fixa, renda variável, câmbio, etc.) do mercado local e internacional, realizam estratégias de investimento com e sem alavancagem, com o objetivo, na sua maioria, de superar o benchmark CDI (Certificado de Depósito Interbancário).

Como iniciaram os hedge funds no mundo e no Brasil

Quem primeiro usou o nome hedge fund foi Carol J. Loomis no artigo entitulado “The Jones Nobody Keeps Up With”, publicado na revista Fortune em abril de 1966. Loomis descrevia o desempenho e estratégia do fundo de Alfred Winslow Jones como um dos melhores em Wall Street.

Loomis descreve a estratégia de Jones como capaz de ganhar dinheiro tanto na alta quanto na baixa das ações. Essa estratégia seria atingida devido à forma de gestão do fundo, que estaria hedged (protegido em inglês), ou seja, para parte de seu portfólio comprado em ações, que poderia até ter sido alavancado, ele vendia ações a descoberto para se proteger de quedas das ações. Portanto, o nome hedge fund nasceu do termo hedged, pois era atribuído a um fundo que adotava tal estratégia de proteção.

A estratégia que Jones utilizava era semelhante ao que hoje a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais) classifica como Long and Short Direcional e que abordamos em um artigo anterior.

Jones que obteve seu PhD em sociologia pela Universidade de Columbia, trabalhava como escritor para a revista Fortune. Foi seu interesse pela análise técnica que o incentivou a escrever o livro “Fashions in Forecasting” sobre predição do mercado acionário. Em seguida, ele se juntou a quatro amigos e criou em 1949 seu primeiro fundo. Desde então, a gestão dos fundos foi passada pelas gerações da família Jones, e a operação iniciada em 1949 com US$100 mil foi ampliada e diversificada em outros investimentos.

Apesar da maioria dos autores atribuírem a Jones o pioneirismo nessa indústria, Lhabitant (2007) e Dennistoun (2004) identificam Karl Karsten, autor do livro “Scientific Forecasting” de 1931, como o primeiro gestor de hedge funds. Karsten junto com outros amigos teriam criado um fundo ao final de 1930, ou seja, quase 20 anos antes de Jones. A estratégia de Karsten era semelhante à posteriormente seguida por Jones, ou seja, ele comprava ações de setores da economia que ele acreditava como promissores e vendia ações de setores com perspectivas negativas. Entretanto, segundo Lhabitant, Karsten não deu prosseguimento à gestão de seu fundo, mas o utilizou apenas como teste empírico de seu modelo de atuação no mercado acionário para publicar em seu livro.

A história dos hedge funds é marcada pelos acontecimentos de crises nos mercados financeiro. As crises financeiras, em geral, provocaram a quebra de alguns fundos com estratégias mais alavancadas e o renascimento de outros. Esse movimento é semelhante ao das queimadas em florestas, as quais tem o objetivo de recriar um ambiente mais seguro e renovado. Embora a crise mais marcante tenda a ser a última, em uma delas, na crise da Rússia em 1998, a quebra de um grande fundo alertou a todos do poder que os hedge funds exercem no mercado financeiro. O fundo que se extinguiu naquele momento foi o Long Term Capital Management, conhecido pela sigla LTCM. A história da quebra desse fundo é relatada por Roger Lowenstein no livro Quando os Gênios Falham – A Ascensão e Queda da Long Term Capital Management (LTCM).

No Brasil, é possível considerar como início da indústria de fundos multimercados a criação dos extintos fundos de commodities, criados no início da década de 1990. Mais precisamente, em 24/06/1992 o Banco Central, por meio da Resolução 1.912, regulamentou a constituição dos fundos de commodity. A criação desses fundos foi incentivada com o objetivo de estimular o mercado futuro de mercadorias.

A grande vantagem destes fundos era o benefício fiscal que lhes foi dado. Por serem taxados à alíquota equivalente à dos fundos de renda variável, eles possuíam uma vantagem em relação aos fundos de renda fixa, que eram taxados a uma alíquota de imposto superior.

Apesar de atuarem nos mercados futuros e de opções, estes fundos de commodity, na verdade, não passavam de fundos de renda fixa, pois apenas realizavam operações nos mercados de derivativos que sintetizavam a rentabilidade da renda fixa na época e mantinham seu caixa aplicado em títulos de renda fixa. Dessa forma, a vantagem fiscal, aliada a liquidez diária após trinta dias, proporcionou grande sucesso de captação a estes fundos, que, segundo (Júnior, 2003), atingiram cerca de 30% de participação de mercado da indústria de fundos em um ano de sua criação.

Entretanto, os fundos de commodities tiveram uma vida curta de apenas três anos. Em 29/12/1995, com a Resolução 2.183 de 21/07/1995 do Conselho Monetário Nacional, esses fundos foram extintos e criaram-se os FIFs (Fundos de Investimento Financeiros).

Na segunda metade da década de 1990 estes FIFs, atuando nos mercados de derivativos formam o embrião dos futuros fundos multimercados, e eram conhecidos como fundos de derivativos. Esses fundos nada mais eram do que os fundos de renda fixa com limitação de atuação nos mercados de derivativos conforme a Circular 2.798 do Banco Central de 23/12/1997.

Os fundos multimercados como hoje conhecemos, começaram a se configurar a partir de 2000 com a maior flexibilização da indústria de fundos por meio da Circular 2958 de 06/01/2000, quando o Banco Central autorizou aos FIFs a aplicação de até 49% do valor das carteiras em ações. Atualmente, os fundos multimercados representam 20% dos fundos de investimentos brasileiros com R$770 bilhões de recursos sob gestão segundo dados da Anbima.

 

 

Referências:
Dennistoun, C. (Março de 2004). Karsten, Jones and the Origin of Hedge Funds. Hedge Fund Monthly.
Ineichen, Alexander; Silberstein, Kurt;. (2008). AIMA’S Roadmap to Hedge Funds.
Júnior, A. J. (2003). Fundos Mútuos de Investimentos no Brasil, A expansão da indústria nos anos de 1990 e perspectivas para o futuro. CEPAL.
Lhabitant, F.-S. (2007). Handook of hedge Funds. John Wiley & Sons.
Lo, A. W. (2005). The Dynamics of the Hedge Fund Industry. The Research Foundation of CFA Institute.
Loomis, C. J. (1966). The Jones Nobody Keeps Up With. Fortune Magazine.