Três razões para você ainda ter renda fixa

Com a recente queda da taxa básica de juros (Selic), completam-se três anos de trajetória de baixa. Segundo a expectativa implícita na curva de juros negociada no mercado, esta tendência deve se estender por mais duas reuniões do Comitê de Política Monetária (COPOM) e a taxa deve atingir o patamar de 4,75% ao ano antes do fim de 2019. Este patamar de juros tem desesperado muitos investidores e o risco neste momento é de cometer erros, assumindo riscos desnecessários.

A trajetória da taxa Selic nos últimos vinte anos, pode ser observada no gráfico abaixo. Por mais de duas décadas os investidores se acostumaram a ganhar, sem risco, remunerações acima de 10% ao ano.

Evolução da Taxa Selic nas últimas duas décadas. Fonte: Banco Central do Brasil

Se por um lado este longo período de ganhos fartos e fáceis foi positivo para quem aproveitou para economizar, por outro, desmotivou todos a aprender como diversificar sua carteira e a encontrar qual o volume adequado de risco correr em seus portfólios.

O erro mais comum neste momento é o de comparar os ganhos antigos com os atuais e querer resgatar 100% dos ativos de renda fixa, passando para instrumentos de maior risco como os de renda variável.

Explico abaixo três razões porque você ainda deve manter uma participação de investimentos de renda fixa no seu portfólio.

 

Controle de risco e adequação ao perfil de investidor

A primeira razão que todo investidor deve manter uma parcela de seu portfólio em renda fixa está associada a seu perfil de investidor e ao controle de risco da carteira.

Quando investidores analisam investimentos de renda variável como fundos de ações nos últimos quatro anos, ficam tentados a alocar todos os recursos em um ativo de risco como o Ibovespa, pois ele rendeu mais que o dobro de aplicações mais simples de renda fixa.

Retorno em cada ano da Caderneta de Poupança, do CDI e do Ibovespa. Fonte: ComDinheiro

No entanto, avaliar o passado de forma agregada é como tomar um remédio para dormir em uma viagem de avião com bastante turbulência. Você não sentiu as quedas de pressão nem as fortes chacoalhadas do avião durante o voo, logo, imagina que o trajeto foi tranquilo.

Apesar da rentabilidade positiva do Ibovespa nos últimos quatro anos, mais de 35% dos meses foram de retornos negativos. Em 25% dos meses, a bolsa apresentou desvalorização mensal superior a 2%.

Lembro que 2% representa quase 37% do CDI atual. Isto significa que se passou onze meses ganhando o retorno do CDI e em apenas um mês perdeu 2%, vai terminar o ano com sua carteira rendendo apenas 53% do CDI do ano.

Em um dos meses nos quatro anos passados, o Ibovespa perdeu quase 11%. Ou seja, se migrar sua carteira inteira para bolsa e não suportar uma queda desta magnitude, levaria cerca de dois anos aplicando na renda fixa para recuperar a perda.

Portanto, ao avaliar o montante do portfólio a investir em bolsa, deve avaliar não apenas os momentos bons, mas lembrar que os períodos de intensa volatilidade ocorrem com frequência mais alta do que se imagina.

Utilizando expectativas de analistas de mercado para o retorno médio anual do Ibovespa é possível construir a tabela abaixo, que apresenta para cada divisão de alocação, qual o retorno esperado e o risco de perda.

Retorno e risco simulados de carteiras balanceadas entre renda fixa e renda variável.

Por exemplo, considerando uma alocação em renda variável de 25% e o restante em renda fixa, um aplicador deveria esperar um retorno anual de 8,2% que representa mais de 150% do CDI atual. No entanto, com 20% de probabilidade ele pode ter um retorno mensal negativo e pior que -0,9%. Colocando de outra forma, em mais de dois meses (20% de 12 meses é igual a 2,4 meses) do ano, seu portfólio deve apresentar queda superior a -0,9%. E em um mês mais volátil, sua carteira pode se desvalorizar 3,4%.

Se destinar 60% para bolsa esteja preparado para ter sua carteira perdendo quase 9% em algum mês de stress no mercado acionário.

Assim, antes de decidir investir em bolsa, é importante entender qual desvalorização você suportaria em sua carteira sem reagir vendendo os ativos, pois com o CDI no patamar atual, pode levar muito tempo para recuperar qualquer perda.

Conhecendo seu perfil de investidor e habilidade em suportar perdas, pode decidir qual proporção do portfólio alocar em renda variável.

Não importando qual patamar escolher, evite investir diretamente em ações e prefira aplicar via fundos de investimentos em ações. Existem várias vantagens na diversificação com fundos de ações.

 

Oportunidades

Outra razão para não concentrar 100% dos recursos em ações e manter uma parcela em renda fixa é poder aproveitar oportunidades que possam surgir.

Por exemplo, as desvalorizações do Ibovespa em alguns meses nos últimos quatro anos, mencionadas anteriormente, só poderiam ser aproveitadas se você tiver alguma parcela em renda fixa que possa migrar.

 

Liquidez

Por último, por mais que tenha um horizonte de longo prazo, você pode precisar resgatar algum recurso para um pagamento de emergência ou mesmo uma despesa não planejada.

Se não tiver uma parcela em renda fixa, pode ter que resgatar de seu investimento em bolsa, em um momento desfavorável e, assim realizar um prejuízo indesejado.

 

Essas três razões justificam que o investidor deve fazer um balanceamento entre renda fixa e renda variável, mesmo com as baixas taxas de juros que vivenciamos atualmente.

 

Michael Viriato é professor de finanças do Insper e sócio fundador da Casa do Investidor.