Com a queda dos juros, saiba se ficou mais vantajoso comprar ou alugar
Enquanto a economia se retrai, a queda da taxa Selic para o mínimo histórico e o maior tempo dispendido em casa têm aquecido o mercado imobiliário. Segundo o portal FipeZap, o preço médio de venda de imóveis residenciais sobe 1,39% em 2020, até julho. Esta valorização supera a inflação medida pelo IPCA, que no ano atinge apenas 0,46%. Mas será que a simples queda da taxa básica de juros deveria mudar a decisão entre comprar ou alugar um imóvel?
Analogamente a uma ação negociada em bolsa de valores, o imóvel também tem duas fontes de retorno: ganho de capital e dividendos. Nos imóveis, os dividendos são representados pelo aluguel. E o ganho de capital significa a apreciação do ativo.
Como afirma o especialista internacionalmente reconhecido, Aswath Damodaran, os imóveis também podem ser avaliados seguindo os mesmos modelos de avaliação de ações. Pela sua característica de maior estabilidade nas receitas de aluguel, argumenta-se que seja possível utilizar modelos mais simples.
O modelo mais simples de avaliação de ações que também pode ser empregado para o mercado imobiliário foi apresentado em 1956 pelos autores Myron J. Gordon e Eli Shapiro. Usualmente, ele é conhecido como modelo de Gordon.
A equação deste método é facilmente utilizada, pois considera apenas três fatores: o dividendo (D), a taxa de desconto (k) e a taxa de crescimento dos dividendos (g). O valor do ativo (V) é o resultado da equação de Gordon apresentada na figura abaixo. Em seguida, vamos esclarecer cada um dos componentes.
O que usar como dividendo (D)?
No modelo acima, o dividendo é o que o detentor do ativo recebe anualmente. Nesse caso, a expectativa de aluguel anual deve ser reduzida das despesas exclusivas de quem é o proprietário do imóvel.
Um exemplo desta última despesa é a parcela não recorrente ou adicional do condomínio que é paga apenas pelo proprietário, mas não pelo locatário, como despesas de limpeza e reforma da fachada do prédio. Estas despesas só são pagas se você for o proprietário. Portanto, sendo locatário é como se você economizasse, ou seja, deixasse de pagar por elas.
Lembre-se de não considerar o condomínio e impostos no valor do aluguel, pois estas despesas você as teria sendo proprietário ou locatário.
O que usar como taxa de desconto (k)?
Em qualquer modelo de avaliação, a taxa de desconto deve sempre refletir o risco do fluxo de caixa que está no numerador. Ela é composta de dois elementos: a taxa livre de risco e o prêmio pelo risco que acabamos de mencionar.
Como taxa livre de risco, usualmente se utiliza a taxa dos títulos públicos federais, pois são os ativos com menor risco de crédito de um país.
Como o aluguel sobe com a inflação, podemos utilizar a taxa de juros real (acima da inflação). Nesse caso, os títulos públicos referenciados à inflação de dez anos possuem taxa próxima de 3,5% ao ano, como pode ser observado no site da plataforma Tesouro Direto.
O prêmio pelo risco depende da probabilidade de haver inadimplência e vacância. Usualmente, o prêmio – taxa acima dos títulos públicos – recomendado para imóveis é de 2% ao ano.
Portanto, a taxa de desconto média acima da inflação a ser utilizada seria de 5,5% ao ano (= 3,5% + 2%).
A queda da taxa Selic influenciou na redução desta taxa de desconto. Esta taxa era 2% maior em 2018, por exemplo.
O que usar como taxa de crescimento (g)?
A taxa de crescimento retrata quanto se espera que o imóvel se valorize acima da inflação de forma perpétua. Uma taxa de crescimento média de longo prazo seria de 1% ao ano no caso brasileiro.
Se assumirmos uma inflação de 4% ao ano no longo prazo, a valorização nominal futura esperada se aproximaria de 5% ao ano. Logo, em pouco mais de catorze anos, com estas premissas, o imóvel dobraria de valor, e, também, o aluguel.
Exemplo
Utilizando as premissas mencionadas, basta aplicar os dados na fórmula de Gordon acima, considerando o valor do aluguel do imóvel em vista.
Por exemplo, se o imóvel que você estuda adquirir tem apartamentos sendo alugados por R$ 2 mil/ mês e não existem despesas em excesso ao condomínio do locatário, basta considerar a variável D como R$ 24 mil anual (=R$ 2 mil * 12).
Se o valor de venda do imóvel é superior a R$533 mil, a melhor alternativa é alugar o mesmo imóvel. Caso contrário, a aquisição do imóvel é mais recomendada.
Ressalta-se que as variáveis crescimento real e taxa de desconto podem ser revisadas para se adequarem a cada caso. Por exemplo, se uma região possui maior perspectiva de valorização, é adequado elevar a taxa de crescimento de 1% ao ano para até 2% ao ano. E a taxa de desconto pode ser reduzida para 0,5% ao ano se considerarmos que seu próprio aluguel não teria risco de inadimplência ou vacância.
Com esses ajustes, o imóvel com mesmo aluguel anual de R$ 24 mil poderia valer R$ 800 mil como mostrado na figura abaixo.
Assim, se o imóvel que procura possui aluguel de R$ 2 mil por mês e é anunciado à venda por mais de R$ 800 mil, é mais recomendável alugar esse imóvel do que o adquirir.
Portanto, com a queda das taxas de juros, houve uma ampliação da faixa de preços que, relativamente ao valor do aluguel, seria vantajosa a compra do imóvel.
Com essa simples conta, sua decisão financeira na aquisição ou aluguel do imóvel será mais fundamentada.
Michael Viriato é professor de finanças do Insper e sócio fundador da Casa do Investidor.