Apenas um título a venda no Tesouro Direto tem rentabilidade positiva no ano
Quando comecei a investir, por volta de 1994, existiam poucas alternativas para aplicação. Minhas primeiras aplicações foram em fundos do Banco do Brasil, onde meu pai abriu conta quando eu ainda era universitário.
Naquela época não havia a plataforma do Tesouro Direto. Também aplicar diretamente em ações era difícil, pois não existiam as atuais plataformas de home broker.
No entanto, uma dúvida que eu tinha naquela época, muitos investidores ainda têm até hoje: como é que um título ou fundo de renda fixa apresenta rentabilidade negativa?
Eu entendia perfeitamente que o pequeno percentual que aplicava em fundos de ações poderia cair. Ainda mais naquele período, pois a bolsa oscilava ainda mais que hoje. Mas a parcela de renda fixa era a minha mesada e responsável pelas despesas do mês.
Gostaria de saber quem foi o gerente que atendeu minha ligação naquele momento de perda. Eu estava irritado e, infelizmente, a ligação caiu com alguém que não sabia explicar. Eu repetia constantemente: como é que um fundo de renda fixa apresenta rentabilidade negativa? Afinal, é renda fixa, ou seja, fixa.
Depois fui pesquisar, então entendi que não é bem assim. Neste ano de 2021, muitos investidores também estão aprendendo esta lição.
Dos 5 tipos de títulos disponíveis a venda neste mês na plataforma do Tesouro Direto, apenas um acumula rentabilidade positiva no ano.
Entretanto, o único que está positivo, o Tesouro Selic, ainda rende menos que o CDI e que a Selic que é seu indexador.
O pior retorno ficou com o título Tesouro IPCA+ 2045 que se desvalorizou 18,96% em 2021. Isto significa que se investiu R$10 mil neste título ao final de 2020, teria nesta última sexta-feira apenas R$ 8.104,00.
Muitos investidores se questionam por que um título que deveria render a inflação mais uma taxa de juros, na verdade perde valor.
Vou explicar esta dúvida a seguir usando como exemplo os títulos de renda fixa, mas ressalto que os fundos de renda fixa que não seguem o CDI possuem o mesmo efeito.
Por que os títulos e fundos de renda fixa se desvalorizam?
A confusão se inicia em entender o que faz o preço do título variar.
Não é a taxa de juros de curto prazo, ou seja, a Selic, que define o preço de títulos com vencimentos longos, mas a taxa de juros futura. E esta última é definida em negociações no mercado financeiro.
Para entender esta relação, imagine uma gangorra, que é um brinquedo infantil comum nos parques. Ao invés de haver uma criança, em cada lado da gangorra, há a taxa de juros futura de um lado e do outro o preço do título.
Quando a taxa de juros futura sobe, o preço do título cai. Da mesma forma, quando a taxa de juros futura cai, o preço do título sobe.
Por exemplo, a taxa de juros do título Tesouro IPCA+ 2035 subiu neste ano para 4,80%+IPCA e estava 3,38%+IPCA ao final de 2020. Esta alta fez com que o preço do título caísse para R$1.903 de R$2.128 há oito meses, ou seja, uma queda de mais de 10% no período.
Lembro que esta desvalorização ocorreu em um momento em que a inflação, medida pelo IPCA, teve um dos maiores saltos dos últimos anos. Não fosse a elevação do IPCA, o prejuízo teria sido ainda pior.
Qual a razão para ocorrerem estes prejuízos?
Para entender a razão dos prejuízos, é necessário relacionar o país a um devedor comum.
Considere uma pessoa comum que possui uma dívida. Se você, enquanto credor, acredita que esta pessoa vai se endividar ainda mais para poder pagar seus gastos correntes, provavelmente, cobrará uma taxa de juros maior para emprestar dinheiro a ela, certo? Esta elevação dos juros seria uma forma de você ser remunerado pelo risco de eventual inadimplência.
O mercado interpretou algumas atitudes e discursos do governo como um menor compromisso em controlar os gastos públicos, o que sugere a possibilidade de elevação da dívida pública. Assim, da mesma forma que você no exemplo anterior, os grandes investidores elevaram a taxa de juros média exigida para emprestar ao governo.
Quais títulos sofrem mais?
A elevação de juros não é igual para todos os prazos e não afeta os títulos de forma igual.
As taxas de juros para prazos mais curtos são menos afetadas que as dos mais longos. Isso ocorre, pois se imagina que um governo que não controle os gastos terá uma dívida cada vez maior no futuro. Logo, a capacidade de pagamento tenderia a piorar com o tempo.
O impacto da elevação da taxa também não é o mesmo para todos os vencimentos, mesmo que o movimento de elevação da taxa seja igual.
Quanto mais longo o título, maior é a sensibilidade dele a variações nas taxas de juros. Este efeito pode ser exemplificado, novamente, com a analogia da gangorra.
Nesta analogia, o prazo é a distância da barra do brinquedo.
Quanto mais longo o prazo do título, maior é o impacto pela variação na taxa de juros. Tanto para o lado negativo, quanto para o lado positivo.
Por isso, o título Tesouro IPCA+ 2045 perde quase o dobro do título com vencimento em 2035.
Lembro que se você não vender o título nesse momento menos favorável e esperar até o vencimento, então, receberá a rentabilidade contratada.
Neste momento de maior risco, recomenda-se que ao investir em títulos e fundos de renda fixa, dar preferência a títulos e fundos cujas carteiras de títulos tenham vencimento até cinco anos. Assim, você pode sofrer menos em caso de piora do cenário e ainda vai aproveitar as melhores taxas.
Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor