Quatro motivos para não iniciar uma poupança para seu filho

Você provavelmente já pensou em iniciar uma poupança para seus filhos ou sobrinhos. Dentre as razões para isso, está o fato de desejarmos separar esta aplicação da nossa individual e manter o controle dela. Embora pareça um comportamento coerente, explico abaixo por que você não deveria iniciá-lo.

O prêmio Nobel em economia, Richard Thaler, alerta sobre um viés comportamental que nos aflige, chamado de contabilidade mental. Este viés financeiro é um dos motivos que leva pais a iniciarem uma poupança para seus filhos.

O viés da contabilidade mental ocorre quando para facilitar e manter controle de decisões de consumo e investimentos, separamos estes em contas segregadas. Parece uma decisão racional se a avaliarmos separadamente, mas quando olhada de forma agregada, percebe-se a irracionalidade da decisão.

Antes de explicar os custos e ineficiências desta decisão, comento mais uma razão para fazermos a aplicação para as crianças. Também queremos fazer algo que não tivemos de nossos pais.

Acho que todos já devem ter feito a conta simples de juros compostos:

“Se meu pai tivesse poupado o equivalente a R$ 500 mensais, aplicando em investimentos que remuneram a taxa similar à do CDI, desde meu nascimento, quando eu tivesse completado 30 anos, eu teria mais de R$1 milhão, principalmente, pois os juros eram maiores no passado”.

Esse parece um argumento quase imbatível para você fazer pelo seu filho o que seu pai não fez por você. No entanto, esta é apenas uma desculpa para você adiar uma obrigação sua ainda maior.

 

Coloque a máscara primeiro em você, depois na criança ao seu lado.

Se você já viajou de avião, provavelmente, já ouviu a frase acima. Parece uma atitude egoísta, mas há uma razão para você tentar se salvar primeiro. Em caso de despressurização de uma aeronave, a falta de oxigênio poderia nos fazer desmaiar em alguns segundos. Se o adulto fosse tentar salvar a criança primeiro, ele poderia desmaiar e não conseguir completar seu objetivo.

Portanto, se o adulto estiver salvo, haverá maiores chances de a criança ser salva.

Analogamente, nos investimentos, primeiro você deveria completar seu objetivo financeiro.

Todos possuímos compromissos financeiros de curto, médio e longo prazo. A grande maioria das pessoas não consegue nem cumprir as obrigações de curto prazo e ainda estão endividadas com hipotecas, financiamentos de automóvel e viagem, dentre outros.

Desviar parte de sua renda para uma poupança para seu filho, pode comprometer a poupança para sua aposentadoria. A previdência é sua maior dívida de longo prazo. Sim ela é uma dívida e será cobrada com juros quando você chegar na maturidade. Postergamos seu pagamento, criando desculpas como tentar atingir metas que, em tese, parecem mais nobres, mas que na verdade, a razão é que são mais fáceis. Uma delas é poupar para os filhos.

Colocar o interesse de seu filho na frente do seu, parece uma atitude generosa. No entanto, essa é apenas uma desculpa, pois a poupança das crianças é mais fácil que a nossa, já que o valor a ser guardado é menor e não há uma obrigação como cobrir seu deficit previdenciário.

De fato, seria muito bom planejar o futuro financeiro de seu filho, mas este deveria estar integrado ao seu e vir como meta secundária, tendo as suas metas como alvo principal. Adiar sua meta, que é mais difícil, para cumprir a do seu filho é um péssimo exemplo a deixar para ele e abordarei isso mais a frente.

Se você se salvar primeiro, estará em muito melhor condição de salvar o futuro financeiro de seus filhos. Portanto, planeje seus objetivos monetários em primeiro lugar. Mas mesmo depois de os atingir, ainda assim há razões para não criar uma poupança separada para seu filho.

 

Ineficiência na diversificação das aplicações.

Quando iniciamos o projeto de investir, o montante não é suficiente para dividir em várias aplicações. Portanto, perdemos o benefício de melhorar o balanço entre retorno e risco.

Adicionalmente, quando o valor investido é baixo, temos menos acesso a alternativas de maior rentabilidade.

Portanto, quando criamos de forma segregada a poupança para as crianças, perdemos vantagens em redução de risco e elevação de retorno, logo o portfólio delas será ineficiente perante ao nosso.

Muitos preferem investir pior, para manter a conta apartada. Esse é o comportamento irracional que Thaler denominou de contabilidade mental e que abordamos anteriormente.

A solução seria unir o planejamento de seu sobrinho ou filho ao seu e considerar qual percentual de seu portfólio seria dele.

Também quando o valor em aplicações é baixo, acabamos com produtos de maior custo. Este é mais um motivo para não criar uma conta separada para seu filho ou sobrinho.

 

Custos de controle e tarifas mais elevadas.

A conta separada estará sujeita a produtos com maior custo e a tarifas bancárias que poderiam ser reduzidas ou eliminadas caso você investisse conjuntamente.

Mas há um custo ainda maior, o de controle. Lembre que uma conta adicional é mais um elemento que vai ter de dispor na declaração de imposto de renda e, periodicamente, monitorar e rebalancear.

O custo de controle parece desprezível quando iniciamos, pois estamos empolgados com o desejo de salvar o futuro financeiro dos pequenos entes queridos. Mas passada a empolgação, a rotina maçante de acompanhamento cobra seu preço e a conta deles é largada.

Na maioria das vezes quase não sobra tempo para acompanhar, estudar e tomar decisões sobre seu próprio portfólio. Adicionar um outro portfólio, que deve investir em produtos diferentes devido ao montante, é muito caro para seu reduzido tempo.

 

Você educa pelo exemplo.

Lembro que quando pequeno, meu pai criou uma poupança para mim e meus irmãos. Recordo que uma das razões era nos ensinar a poupar. Tinha grandes expectativas. Lógico que meus sonhos na época se resumiam a compra de brinquedos.

Confesso que anos depois, quando fomos sacar os recursos, foi uma decepção. O dinheiro não era suficiente nem para comprar o tão sonhado autorama. Se fosse tomar a experiência como educação financeira, eu provavelmente não atribuiria valor algum ao ato de poupar.

Mostre para seu filho que você vai alcançar sua independência financeira, pois criou um planejamento e tem cumprido disciplinadamente suas metas. Convide ele para abdicar de algum presente e investir junto com você, demonstrando que ele vai aplicar melhor se for em conjunto.

Se criar uma poupança para seu filho em uma conta separada dele, pode ter certeza, como ele não passou pelo aprendizado da dificuldade de abdicar do consumo imediato para investir, ele vai comprar um automóvel ou vai gastar todo o dinheiro assim que tiver idade suficiente para ter autonomia sobre a conta.

 

Michael Viriato é professor de finanças do Insper e sócio fundador da Casa do Investidor.