Lições do junho vermelho para investir em ações

O título induz o leitor a acreditar no pior sobre o mês de junho. Mas há muito a se aprender sobre este mês, afinal, como disse Nelson Mandela,

Eu nunca perco. Ou eu ganho, ou aprendo.

De fato, o nome “junho vermelho” se refere à campanha de doação de sangue que ocorre neste mês de junho. E é possível perceber uma grande analogia ao comportamento de muitos na doação de sangue e no investimento em ações.

Conheça a si mesmo. Se você é frouxo, não olhe.

No penúltimo sábado fui fazer exame de rotina de sangue. Acredito que muitos dos leitores se comportam como eu nesta tarefa. Não é uma doação, mas o processo e efeito são similares, só muda o tempo.

Já doei sangue e fiz outros exames. Portanto, me conheço. Quando a enfermeira foi colocar a agulha na veia, virei o rosto e fechei os olhos. Neste momento, muito atenciosa, ela perguntou:

Está tudo bem?

Conheço como me comporto, se olho, a pressão cai, começo a suar e vem o desespero. Uma cadeia de reações completamente sem sentido, pois o resultado da doação ou do exame de sangue serão positivos para mim.

Portanto, minha resposta à enfermeira foi simples e direta:

Relaxa, eu sou frouxo. Sou doador frequente de sangue, mas não posso olhar.

E você? Também é frouxo no investimento em ações? Diz que é conservador, pois tem medo de “agulha” e falaram que o investidor conservador não deve ter ações?

No Brasil, todas as instituições financeiras têm educado errado os investidores, pois elas têm medo de sofrer processos e quem perde é você.

Assim como, não é porque você não consegue olhar, que você não pode doar sangue. Não quer dizer que você não pode ter ações, porque você não suporta ver a volatilidade.

A American Association for Individual Investor sugere ao investidor conservador alocação de 50% em ações e o restante em renda fixa.

Sem dúvida esta divisão não é apropriada para os brasileiros.

O primeiro objetivo de um portfólio conservador é a proteção do principal. Mas o prazo desta proteção não é de um dia nem de um mês.

Seria razoável imaginar que um investidor conservador é aquele com probabilidade insignificante de ter seu principal afetado em um horizonte de um ano ou mais. Neste caso, a alocação em ações poderia ser bem superior ao que tem sido indicado. Veja a simulação.

A pior janela de 12 meses em ações foi encerrada em outubro de 2008 no auge da crise financeira. Naquele instante, o retorno em um ano do Ibovespa foi negativo em -56%. No mesmo período, a variação do CDI foi de 11%. Portanto, o investidor que tivesse 15% de seu portfólio no Ibovespa e o restante em ativos de baixo risco referenciados ao CDI, não teria visto seu portfólio perder o principal.

Com o CDI atual em 6,4% ao ano, um investidor com alocação de 10% em ações e o restante de baixo risco, não teria perda de principal no horizonte de um ano, mesmo que o Ibovespa caia 60% no período.

A alocação em risco não está relacionada a você ter medo, mas principalmente ao objetivo de utilização dos recursos e ao prazo que precisa resgatar.

Portanto, o investidor conservador brasileiro, poderia ter até 10% em ações.

Ressalto que é muito importante que o investimento em ações não seja feito de forma direta, ou seja, o próprio investidor escolhendo e comprando. Conforme mostram os estudos, esse é o principal fator que leva as pessoas a perderem dinheiro. O investimento em ações deve ser feito via fundos abertos ou fundos fechados negociados em bolsa (ETFs). Esse investimento é muito mais seguro e eficiente. As vantagens de se investir em fundos são descritas neste artigo anterior.

Neste momento em que a taxa de juros está baixa no longo prazo e as perspectivas econômicas se mostram favoráveis, repense sua alocação em ações e aprenda a se comportar se você não consegue olhar.

 

Michael Viriato é professor de finanças do Insper e sócio fundador da Casa do Investidor.